Homenageado por Ratos de Porão (“Quando CI Viole Ci Viole”) e Ação Direta (“Chi Si Vuole Morti Ci Fa Piú Forti”), o punk italiano possui uma das mais viscerais efervescências underground de todo o DIY mundial. Quer conhecer mais sobre esse inferno hardcore, seja você um neófito ou alguém já iniciado naquele cenário indomável? O documentário “Italian Punk Hardcore 1980-1989”, dirigido por Angelo Bitonto, Giorgio Senesi e Roberto Sivilia em 2015 e disponível no YouTube (postado pela F.O.A.D. Records de um aficionado no assunto, o Giulio dos Cripple Bastards), me parece o veículo ideal. Comparações com o nosso “Botinada” (de Gastão Moreira) são inevitáveis – mas este aqui me parece muito mais abrangente, já que enfoca também os esforços de gravadoras, fanzines, promotores de shows e propagadores da contracultura, em criar toda uma estrutura a partir do zero e que fosse uma alternativa aos vícios dos “grandes veículos”, sejam eles selos ‘major’, casas de shows “burguesas”, publicações mainstream e jornalismo comercial. A grande diferença, entre tantos outros países que fizeram o mesmo: a intensidade natural do italiano, quando transformada em selvageria musical, amplifica-se ao ponto de beirar a psicose.
Banda italiana Raw Power
Entre nomes mais conhecidos como Raw Power, Negazione e EU’s Arse, estão bandas como Blue Vomit, Bloody Riot, Impact, Wretched, CCM, Infezione, Crash Box e Indigesti, muitos deles tão ruidosos que chegam a beirar o noisecore, estilo que obviamente não existia à época, mas do qual são descarada influência – se a ideia de “sem concessões” inerente à música punk existe, esses conjuntos são sua exata materialização. Também listam-se alguns pós-punk performáticos (Gaznevada, Skiantos), aproximações com o ska e o reggae à moda do Clash (Stigmathe, Tanx), pioneiras formações só com mulheres (Hydra), etc – assim mapeia-se um todo riquíssimo, mas sempre undergound e experimentador. O squat Virus fez de MIlão uma espécie de epicentro dos punks da Bota, mas, ao contrário do Brasil, quase que exclusivamente concentrado na capital de São Paulo e avesso em relação ao que vinha de fora, bandas de Piacenza, Roma, Bari, Turim e muitas outras cidades estavam em constante intercâmbio. O que não quer dizer que não existisse radicalismo: registrava-se pouco material, pois isso era se “vender ao comércio da música”, por exemplo. Tocar fora do país era mal visto por algo similar: transformava-se em “rock star”. Organizar o show de uma banda estrangeira também era infernal – as histórias em torno da passagem do Black Flag em solo italiano são sensacionais, entre tantas outras contadas nesse filme imperdível.
Banda Italiana Negazione
Os três diretores também se envolveram com bandas punk, porém na década seguinte. Bitonto foi vocalista e Sivilla, baterista do Androfobia, quarteto da província de Matera com pouquíssimo material registrado; Senesi, por sua vez, participou de Altered Reality e Shear, dois grupos lançadas pela Mele Marce Records, selo de sua propriedade (que editou um compacto do Androfobia inclusive). Curioso, pois temos no YouTube outro documentário chamado “La Scena”, este para falar exatamente do punk italiano nos anos 90; mas aí já temos uma galera em busca de som mais “californiano”, digamos assim, e que pouco pagava tributo àquela geração pioneira de barulho e contestação. O ponto de partida de ambas é comum: Sex Pistols e Ramones; mas nesse segundo filme citam-se bandas como Bad Religion, Queers e Screeching Weasel quando perguntados sobre influências. É focado em formações mais mainstream, portanto – o que não impede de encontrarmos bons nomes, como o Derozer (quem curte argentinos como 2 Minutos e Attaque 77 vai pirar). Mas fica óbvio que aquela primeira geração esforçou-se criar um mundo à parte, enquanto essa segunda apenas adaptou-se a um mundo já existente. Muito auto-destrutivos para gerar sucessores? Tire suas próprias conclusões a seguir.
Documentário Italian Punk Hardcore 1980-1989 (legendas em inglês)
Documentário La Scena (legendas em italiano)