O metal possui um monstro – e ele se chama speed metal. Este demônio musical não se atém a subterfúgios: aposta na união crueza+peso incessante+velocidade constante, características fundamentais para qualquer banda que se diga “metal” sim, mas aqui elevadas ao nível de real culto, tocado apenas por aqueles que verdadeiramente entendem o rock rápido como estilo de vida. O gênero nunca adormeceu realmente, possuiu uma época de quase-exposição na primeira metade dos anos 80 (em que formações febris, em especial maníacos alemães do porte de um Iron Angel ou canadenses amalucados como o Exciter quase catapultaram o estilo para o mainstream metálico), mas sempre necessitou de verdadeiras escavações underground para encontrar suas mais valiosas pepitas. A década de 2010 revitalizou o estilo; trouxe à tona nomes como Midnight e Enforcer que, embora tenham alcançado reconhecimento para além dos costumeiros iniciados na arqueologia speed, felizmente não se desvencilham da imagem “maldita” que o estilo necessita carregar consigo, o que as tornam manifestações daquilo que o metal possui de mais puro e autêntico do que muitas dessas bandas que se auto-promovem como ‘true”.
Pois bem: eis que um dos pólos produtores mais interessantes do speed metal é o Rio de Janeiro! Nomes como Whipstriker, Sodomizer, Flagelador e Velho são obrigatoriedade para quem curte metal sujo, romperam fronteiras graças também a trabalho duro (são formações essencialmente prolíficas), e vão ao cerne do negócio: sabem de antemão que sem respirar Sodom, Venom ou Hellhammer não se faz heavy metal. Pois Leatherface, baixista do Sodomizer e também do Hellkommander, se mandou para Berlim e lá gravou esse segundo disco do Satan Worship, que conserva acentos básicos de sua carreira pregressa, e adiciona ao todo algo de vital importância: Motorhead. Porém, é aí que a porquinha torce o rabo: ter a banda de Lemmy na regência de um trabalho não significa apenas um onipresente feeling rock’n’roll, pregar o “quanto mais barulhento melhor” ou ser direto e reto em suas composições – aqui significa entender que, se a personalidade radical das bandas de Tom Angelripper, Cronos ou Carlos Vândalo se forjou, é porque sua natural predisposição ao extremismo nasceu a partir do que o trio mais explosivo já surgido na Grã-Bretanha começara um pouco antes a explorar. Ou seja: fazer heavy metal não é macaquear a última moda vigente ou simplesmente optar por um estilo, e sim entender a raiz para, aí sim, apontar ao futuro.
Então, me parece esperado que a presença do Motorhead não apenas seja uma atração por si só, mas que também libere influências tanto do black quanto do thrash metal, assim como um dia fez com aqueles três sujeitos citados no parágrafo anterior, que redefiniram o som extremo a partir do que foi feito por Lemmy e mais um punhado de outros. A receita é ancestral, portanto: músicas comandadas por um riff (tradição essa tão old school, mas que sempre separa as crianças dos adultos), levadas d-beat combinadas a algumas outras mais moderadas para o mosh comer solto, vocais rasgadaços e a sensação de que o metal pode ser o agente da destruição desse mundo que conhecemos, e ao mesmo tempo a fortaleza de sua (nossa?) salvação. Pois detectamos os bons discos do estilo justamente assim: quando eles passam a impressão de que sua simples execução pode colocar fogo no planeta (e em tudo aquilo que repudiamos), e que, ao mesmo tempo, se a música com a qual nos identificamos existe, é justamente por essa tensão gerada pela existência dos códigos mundanos e seu repúdio! Trata-se de um combate eterno, que traz força à melhor arte – e que o Satan Worship não se furta a participar, sem deixar a diversão metálica de lado. É black’n’roll de responsa o que você quer? Vá a Teulfessprache agora!
*Em breve: entrevista exclusiva com a banda aqui no Monophono.
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