Hoje, estréia da coluna Meus Discos aqui no Monophono. Toda semana falarei um pouco sobre os discos de maior notoriedade da minha coleção pessoal. Para começar, um disco único em todos os sentidos: “Krishnanda”, de Pedro Santos.
“Uma obra prima além do seu tempo“. Essa frase resumiria de forma sucinta o único disco de Pedro Santos, heterônimo de Pedro Sorongo, genial músico brasileiro. Vale lembrar que Pedro foi o criador do “Sorongo“, ritmo peculiar feito através de instrumentos de percussão, derivado do samba e do batuque, para o qual, criou uma base de cinco tambores de metal com pele.
Além de ser um exímio compositor, foi também um virtuoso instrumentista, responsável por criar ao longo de sua carreira uma série de instrumentos incomuns, como o bambu eletrônico e o berimbau de boca.
SOBRE SUA TRAJETÓRIA
Nascido no Rio de Janeiro no ano de 1919, serviu à Força Expedicionária Brasileira na Campanha da Itália, durante a II Guerra Mundial. Ao retornar ao Brasil no final de 1945, decidiu se dedicar à música. Como compositor, teve sua primeira música gravada em 1953, por Manuel Macedo, intitulada “Recordando o Líbano“.
Em 1955, passou a fazer parte da Orquestra Tabajara, e posteriormente participou de discos de nomes consagrados como Maria Bethânia, Baden Powell, Clara Nunes, Jards Macalé, entre outros.
Em 1968 conheceu Hélcio Milito (músico tão brilhante quanto Pedro), inventor da Tamba e integrante do grupo Tamba Trio. Hélcio era diretor artístico da CBS na época, e tinha como prática lançar discos (paralelamente aos lançamentos comerciais) que ele acreditava ser uma obra, mesmo sabendo que não venderiam muito. Hélcio já ouvia falar de Pedro Santos, mas quando escutou suas músicas e todo o conceito do álbum solo, decidiu investir nesse lançamento.
O NASCIMENTO DE UMA OBRA PRIMA MUSICAL
Sorongo já havia arquitetado toda a sua obra antes de colocá-la em prática: desde a capa do gorila, as composições, as letras, os instrumentos, tudo estava pronto em sua cabeça. Hélcio então convidou o arranjador Jopa Lins com a seguinte orientação sobre a produção: “Escreva tudo o que Pedro cantar pra você“. A ideia era não atrapalhar em nenhum momento o processo de produção já concebido por Sorongo.
O disco foi gravado em 1968, no estúdio da CBS em apenas 3 canais, as vezes reduzindo de 2 canais para 1, permitindo que Pedro executasse as camadas de percussões e efeitos e cantando separadamente por cima das bases gravadas. Por incrível que pareça, não há nenhum sintetizador ambientando sons da selva por exemplo. Tudo que é ouvido no disco, são efeitos de percussão e instrumentos criados por Pedro.
Praticante de Yoga e adepto da macrobiótica, assuntos expressados nas letras, “Krishnanda” chegou a ser confundido por alguns como um disco religioso e por outros, algo incompreendido. O disco acabou sendo esquecido por longos anos, sendo o único disco solo de Pedro Santos.
No início dos anos 2000, através de botlegs lançados na Europa e arquivos em mp3 disseminados pela rede, a obra percursora do afrobeat começou a despertar interesse no público internacional. No ano de 2012, o disco finalmente foi relançado via Polysom em vinil 180g, fazendo parte da coleção “Clássicos em Vinil“.
Por onde começar a ouvir
Assim como a capa, a música me encantou. “Água Viva” foi o meu primeiro contato com o “Krishnanda“. Hipnotizante do início ao fim, trás ao fundo sons de água, chocalhos, percussões diversas, metais e uma letra sensacional:
“A água que deságua por aqui, dessa água já bebi, vem do amor que recebi. Tira a sede de matar, tira a sede de roubar. Quem tomar todo o mal vai terminar…“
“Água Viva” foi só uma pequena fatia do que é realmente esse disco. Do começo ao fim, tudo é brilhante e genial. É possível ser transportado para dentro de um filme, através das músicas instrumentais “Savana” e “Advertência“. “Quem sou Eu” chega a causar um certo incomodo pelo clima carregado, obscuro e soturno dos instrumentos e da sua letra:
“Quem sou eu, quem sou eu. Você pergunta. Quando chegar sua hora, você saberá afinal...”
Esse mesmo clima se repete em “Flor de Lótus“, com Pedro Santos sussurrando no início da canção:
“A vida é um vivo que semeia a semente, feito areia pra dar fruto de seu pé…“
A também instrumental “Dual” acabou se tornando uma das minhas preferidas do disco: leve, alegre e dançante.
Composto de 12 faixas, “Krishnanda” é um disco relativamente curto (em relação ao tempo), mas ao mesmo tempo, atemporal. O lado A e o lado B passam voando, deixando um sentimento de esperança por um possível álbum que nunca virá a existir. É um disco essencial, incompreendido até nos dias de hoje e como já disse no início da matéria, muito além do seu tempo e do nosso.
Confira abaixo, na íntegra, “Krishnanda“, de Pedro Santos:
Ficou interessado? O disco já se encontra esgotado através da loja Polysom, responsável pelo lançamento, assim como na grande maioria das lojas virtuais, mas ainda é possível encontrar algumas cópias do disco disponível através da loja Pindorama Discos clicando aqui.