O Perdidos na Noite foi um marco na TV brasileira – talvez até mais do que isso: se tornou mesmo um amplo acontecimento cultural, para além da simples repercussão televisiva. A fórmula mais anárquica e despojada adotada pelo programa representava a ideia de um país que enfim experimentava a extinção da censura federal, e que se permitia, depois de longo tempo encabrestado pelas mediações de um órgão oficial, a liberdade de avaliar por si mesmo o que o mundo lhe oferecia. Apresentado por Fausto Silva, dirigido por Goulart de Andrade e propositalmente encaixado em horário visto como marginal pelos programadores (início das madrugadas de sábado), recebia em seu palco artistas “malditos”, humoristas underground, cantores bregas, estrelas da Playboy, atores e atrizes de teatro e a emergente geração do rock nacional, tanto faz se com nomes eternos ou personagens efêmeros. O momento era criativamente tão fecundo que o Perdidos conseguia reunir ao mesmo tempo o pop assumido e o contracultural ortodoxo, sem erguer muros entre os dois – com personalidade despretensiosa e inovadora, ansiava justamente por essa unidade entre extremos, mas não de forma conciliadora, pois a irreverência que demolia qualquer tipo de placidez era sua marca registrada.
Ali estiveram artistas que pouco (ou nenhum) espaço encontravam em veículos de grandes emissoras – eis um dos méritos mais festejados do programa. O Ratos de Porão e o Garotos Podres, por exemplo (os Inocentes haviam chegado a uma gravadora major e tinham exposição mais farta que seus colegas punks, porém por lá passaram com a maravilhosa “Ele Disse Não”):
RDP com “Juventude Perdida”:
Garotos Podres com “Anarquia Oi!”:
Inocentes com “Ele Disse Não”:
Outros artistas ligados ao punk rock, porém com audiência mais mainstream, lá estiveram: Camisa de Vênus (já no terceiro álbum, o bom “Correndo o Risco”), Mercenárias (que divulgava seu segundo e último disco) e Plebe Rude (chegando ao primeiro registro completo, mas ainda sob o signo inescapável de “O Concreto Já Rachou”).
Camisa de Vênus com “Só o Fim”:
Três músicas das Mercenárias:
Plebe Rude com “Proteção”:
Bandas destinadas ao megaestrelato foram ao Perdidos também: Legião Urbana, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso e Titãs. Todas em momentos importantes: Legião na época do “Que País É Esse”, Capital no segundo disco e com hits massivos no currículo, Paralamas em êxtase depois da participação no festival de Montreaux e Titãs com o marcante (e experimental?) “Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas”. Destaque para a descontração absoluta dos Paralamas no palco (o naipe de metais é um show à parte), e a placa da Interlace, focalizada logo atrás de Renato Russo – marketing bagaceiro que hoje parece saído de alguma sátira humorística…
Três músicas do Capital Inicial:
Quatro sons dos Titãs:
Legião Urbana:
Paralamas:
Pessoal da MPB também se fez presente – veja as apresentações de Zé Ramalho, Tonico e Tinoco e do grupo vocal/AOR 14 Bis.
Zé Ramalho com “Vida de Gado”:
Tonico e Tinoco:
“Mais Uma Vez” com o 14 Bis (letra de Renato Russo):
Um panorama fantástico, de uma década inesquecível, em uma atração à sua maneira revolucionária e que transformou para sempre as produções de auditório em nossa televisão. E as bizarras intervenções fora de hora do Faustão, embora hoje em dia domesticadas, essas não mudam jamais…