A primeira visita do Fugazi ao Brasil data de agosto de 1994. Tratava-se de um festival acontecido em Minas Gerais, o desbravador BHRIF (Belo Horizonte Rock Independente Fest), que ambicionava discutir os rumos da cena alternativa por aqui, além de criar conexões com as do exterior, em uma época na qual a Internet de larga escala era algo embrionário. Para que esse intercâmbio fosse menos utópico e mais concreto, reuniu nomes de calibre, como Dorsal Atlântica e Anathema (este também estreante no país), entre outros das mais variadas tendências artísticas. E a presença do quarteto de Washington era algo passível de festejos não apenas do ponto de vista musical: quem melhor para ali estar do que Ian MacKaye, homem que liderou uma contra-revolução underground em território norte-americano? Tratava-se de uma situação que transcendia a música, como tudo que envolve esse singular guitarrista/vocalista: ele reunia em si mesmo exatamente aquilo que o evento buscava apontar, discutir e entender – e já aplicava de forma prática o que ali se teorizava há pelo menos uns 15 anos. Uma questão de postura, de atitude, e, mais do que tudo, de sabedoria, fizeram de Mackaye a principal atração daquele fest (que infelizmente teve nessa sua única edição).
Na segunda visita, essa em 1997, eis que temos o Fugazi mais uma vez com missão professoral, porém a lição vinha em forma não de palestra, de painel ou de entrevista, e sim de show ao vivo. Confira na seção Mopho de hoje o concerto completo que a banda americana fez na mesma cidade de Belo Horizonte, três anos depois do BHIRF – e, se existe uma prova de que o evento realmente trouxe algo de novo à mentalidade de nossos ativistas culturais, ela está explicitada na qualidade desse vídeo.
Áudio impecável, banda plenamente à vontade, platéia participativa, angulação bem escolhida (Alexandre Estanislau Silva, autor da captação, filma da platéia e na meia hora final sobe ao palco, misturando os pontos de vista de audiência e banda) e uma saraivada de temas definitivos do post-hardcore, imitados porém nunca igualados. Uma hora e meia de clássicos como “Public Witness Program”, “Reclamation”, “Bulldog Front”, “Suggestion” (com Guy Picciotto mandando ver na sua tradicional dancinha), a belíssima “Facet Square”, “Long Division” e claro, “Waiting Room” – em maior ou menor grau, você já ouviu um pouco de cada uma dessas em muitas das suas bandas favoritas.
Tem até confusão: durante ”Walken’s Syndrome”, uma galera mais empolgada começa a dar stage dives – o problema é que nessa encostam sem parar no equipamento de MacKaye, em especial no seu pedestal de microfone. Um dos caras inclusive toma uma repreendida do vocalista – não está claro nas imagens se o mano tentou cantar a música, mas vemos o frontman claramente pistola com ele. Quando o crowdsurfing passa a ficar progressivamente sem noção, Ian pega um dos moleques que pulavam do palco e joga ele mesmo a pessoa de volta para a audiência (dizem nos comentários que até um chute na bunda o figura levou). No fim da música o pessoal vai tirar satisfação com o cantor, o mandam se foder, ele permanece impassível, diz que gostaria de entender português para continuar a discussão, e encerra a treta com um tremendamente cínico “me desculpe” direcionado ao arremessado… Um concerto irretocável, de uma banda luminosa, em um país que dá suas cabeçadas, mas que sabe como poucos acolher um espetáculo.
Confira abaixo, Fugazi ao vivo em Belo Horizonte: