A chegada da MTV ao Brasil, no início dos anos 90, foi um movimento capital para obrigar nossa indústria musical a transformar profissionalismo em ganhos – e isso reverberou de várias maneiras, inclusive dentro do underground. Com a emissora, existiam possibilidades mais organizadas de bandas desconhecidas, porém talentosas, alcançarem visibilidade para sua produção, desde que estivessem dispostas a levar o próprio trabalho a sério – hora, portanto, de sepultar o romantismo mambembe dos golpes de sorte comuns nos anos 80 (conseguir veicular demos na programação de alguma rádio, por exemplo). Muitas embarcaram de bom grado, o que desenvolveu vários outros mercados que caminham paralelos à música, como estúdios, empreendimentos audiovisuais e marketing, além de facilitar o crescimento das gravadoras independentes (atraindo olhos gulosos das próprias majors, como o famoso Banguela, subselo da Warner Music Brasil), e estimular o cenário alternativo brasileiro a se tornar diverso e abrangente (nunca, antes da Internet, havia sido tão simples encontrar a referência certa para seu som – elas estavam ali, 24h por dia, espalhadas em programas temáticos com o estilo de sua preferência).
A produção de shows em nosso país também precisava de uma injeção de seriedade, porém nem tudo podia ser Rock in Rio: o momento urgia por eventos menores, que pudessem comportar essa turma emergente e um público disposto a interações inversamente contrárias a esses plastificados megaeventos. Eis que abnegados de Campinas criam o Juntatribo, e com ele a utopia de “unir a cena” deixava de ser demagogia para se transformar em ação – isso sem arroubos pretensiosos ou cabotinos: em um descampado da Unicamp, palco, platéia e som, e nada mais.
Quem acompanhava o programa Demo e o quadro Banda Antes no MTV No Ar conhecia boa parte dos escalados: alguns estavam destinados a tornarem-se estrelas (Raimundos, Planet Hemp); nomes que prometiam, mas que por um motivo ou outro não vingaram (Little Quail, Killing Chainsaw, Concreteness, Virna Lisi); punks de várias vertentes (IML, Garage Fuzz, Safari Hamburgers, Muzzarelas, Pinheads); alternativos (Pin Ups, No Class, Linguachula, Wry, Brincando de Deus, Second Come), misturebas sonoras bem anos 90 (Boi Mamão, Mickey Junkies), rap com o Câmbio Negro, som eletrônico com Loop B, psychobilly com os Cervejas, mod com o Relespública… Gêneros a dar com o rodo, gente vinda de vários lugares do Brasil, com o ideário de congregação caro a qualquer festival na alma e a disposição de dar um bom número de stage dives na mente.
Um dos grupos que mais empolgavam era o curitibano Resist Control. Seu rapcore era energético e agressivo, o vocalista Daniel parecia um dínamo ao cuspir 500 palavras por segundo, e a transição do inglês para o português foi feita sem traumas e com especial noção de timing. Interesses discordantes abreviaram sua promissora carreira, porém houve o Juntatribo, e nele o momento mais emblemático da existência de ambos, banda e evento. Tudo corria como o esperado, ou seja, o RC havia transformado o Observatório a Olho Nu da faculdade campineira em uma festa similar ao famoso show dos Cramps no hospício de Napa, com invasões de cena tresloucadas, roubos de microfone e moshs desvairados. Eis que, em meio ao incendiário material próprio do quarteto, rola um cover de “Bro Hymn” do Pennywise, tema que costuma provocar catarses coletivas e colocar uma porção de gente no palco para cantar seu refrão. Isso aconteceu novamente – e, com boa parte da audiência pulando feito louca ali em cima ao lado do conjunto, a estrutura não suportou e ruiu, bem em cima dos equipos do IML (que no dia seguinte precisou tocar com instrumentos emprestados, tamanho o estrago). Mesmo com o chão quebrado, eles ainda conseguiram terminar a apresentação, sem saber que haviam participado de um dos acontecimentos mais folclóricos da história dos festivais independentes brasileiros.
Não sei o motivo de o Juntatribo ter acabado… Acredito que a logística na era pré-Internet não fosse das mais simples, e que o retorno aos envolvidos pouco ia além da enorme satisfação em ver tudo aquilo realmente acontecer. Mas dificilmente eventos posteriores teriam a importância, o charme e a espontaneidade dessas duas edições – as linhas tortas escreveram certo, mais uma vez.
Resist Control no Juntatribo:
IML com equipo emprestado:
Matéria da Rede Globo sobre o evento: