Não sei se é justo dizer que o hit ”Your Love” engoliu a carreira do The Outfield – mas o tema adquiriu gigantismo tão extraordinário que tornou-se maior que a própria banda, perante os olhos dos muitos que a cantarolam ainda hoje (boa parte sequer sabe quem a registrou, coisa natural em canções de execução massiva). De forma alguma resume-se a isso o que esse trio/quarteto londrino nos tem a oferecer, contudo: especialistas em um soft rock sintetizado com a cara dos anos 80, de verniz sofisticado porém plenamente radiofônico, o grupo tinha nas harmonias vocais seu principal atrativo, e sacava da cartola melodias pegajosas com impressionante facilidade (o citado megasucesso é um dos exemplos mais admiráveis). Curiosamente, a primeira escolha para trabalhar o álbum de estreia junto ao público foi “Say It Isn’t So”, que, assim como o terceiro single “All The Love In The World”, também do debut “Play Deep”, de 85, obtiveram repercussão bastante digna – porém “Your Love” tornou-se não apenas a expressão maior do Outfield como cuidadosos artesãos power pop, mas também um hino popular, que captura um momento e à sua maneira o transforma, com destreza tão particular e especial que permanece a ecoar no imaginário coletivo como um pequeno milagre da criatividade humana, blindado de qualquer melancolia nostálgica ou sentimento saudosista graças ao astral irresistível (e portanto imorredouro) de seus acordes.
Tendemos a considerar os one hit wonders como uma espécie de perdedores do mundo artístico, vítimas pueris de uma indústria musical desalmada, acostumada a sugar o tutano de seus talentos para em seguida abandoná-los inanes à sua própria sorte – mas é possível também evitar generalizações e dividir essa turma de “desamparados do rock” em duas categorias: a dos que sucumbem perante um sucesso ocasional, que não tinham condições criativas de suplantar ou sequer igualar, e os que, mesmo com o peso de um single avassalador eternamente dolorindo seus ombros, desenvolvem uma carreira de predicados e tocam o barco adiante. O Outfield nunca deixou-se anular por sua composição mais famosa: usou a sombra de “Your Love” como salvaguarda, e, mesmo quando forçado a encarar as idas e vindas comuns de uma vida instável como a de uma banda profissional, permaneceu ativo por um bom par décadas, com a elegância e a discrição que lhe eram características. O guitarrista John Spinks faleceu em 2014, vítima de um câncer no fígado – nesta segunda-feira última, 19 de outubro, foi o baixista/vocalista Tony Lewis quem nos deixou, aos 62 anos, de causas não divulgadas. Que essas mal traçadas façam jus a um sujeito que soube, nos breves quatro minutos de uma canção, condensar a eternidade.
Vídeo de “Your Love”:
Tony ao vivo com seu maior sucesso: