Cada álbum do Death representa um marco em si mesmo. Lidar com uma mente prodigiosa do quilate da de Chuck Schuldiner requer entender o quão meticulosos eram seus processos; significa possuir a paciência que o próprio guitarrista/vocalista esbanjava para que sua produção fosse sempre a mais qualificada possível; e a percepção aguçada o suficiente para sacar as inúmeras filigranas em cada nota por ele composta, em cada levada, em cada palavra alocada entre as harmonias. Idiossincráticos como verdadeiras entidades mutantes, cada um dos sete registros do quarteto representam pontos de transformação; respiram autonomia ao mesmo tempo em que perfazem um todo extremamente coerente; dão pistas para as rupturas artísticas que virão a seguir, mas essas, por conta de sua absoluta excelência, nunca deixam de nos surpreender. “Spiritual Healing”, que completou 31 anos dia 16 de fevereiro último, inicia a transição mais radical empreendida por “Evil” Chuck: a de um som rude e massivo, em essência “quadrado” e ainda aferrado ao primitivismo canibal de outrora, para material mais desafiador e livre, no qual a complexidade torna-se a expressão urgente de alguém que passou a enxergar a existência não somente em sua totalidade, e sim através de perspectivas mais nuançadas.
“Spiritual Healing” é o que de mais próximo fez seu criador em relação a uma de suas declaradas referências: “Beyond the Gates”, do Possessed. Chuck demonstra óbvia reverência por tudo ligado a “Leprosy” e “Scream Bloody Gore”, porém jamais um sujeito perceptivo feito ele deixaria de entender que desconstrução é progresso: existe palpável ansiedade em dar um passo além, em perceber a palavra “legado” também como aprisionamento, em entender que passado e presente de nada significariam sem perspectivas desafiadoras de futuro. É óbvio que o baixista Terry Butler e principalmente o baterista Bill Andrews encaminhavam-se para seus últimos suspiros como sidekicks de Chuck; nenhum destes dois parecia talhado a acompanhar a ânsia por crescimento que pulsa nas entranhas de composições como “Living Monstrosity”, “Defensive Personalities” e especialmente da faixa-título, que condensa em si os códigos que o grupo retrabalharia obcecadamente dali por diante. Como dito acima, é impossível dizer que o Death possua álbuns “de transição” em sua trajetória, já que de uma maneira ou de outra todos o são; contudo, se algum se aproxima de forma mais concreta de tal definição, é “Spiritual Healing” – a diferença entre ele e “Human”, seu sucessor, é, apesar de jamais inesperada, notavelmente brutal; é esse abismo, contudo, que marca a transmutação de um simples mortal para gênio maior.
A coluna Mopho dessa semana apresenta o Death em três momentos da tour de Spiritual Healing.
Em Los Angeles, 1990, a formação que gravou o álbum no palco (a descrição do vídeo anuncia Chris Reifert do Autopsy na bateria, mas na verdade é o próprio Bill Andrews atrás do kit):
Na cidade texana de San Antonio, também em 1990:
Em Toronto, no Canadá:
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