Manja aquele clichê que tal coisa “marcou uma geração”? É bastante difícil definir o livro “Barulho”, do jornalista André Barcinski, sem fazer uso desse batido chavão – até porque, nesse caso, o lugar-comum expressa com indefectível acuidade o impacto ocorrido no cérebro e na vivência de uma turma que cresceu no início dos anos 90 e lá passou a nutrir interesse por música que ia além do pontual. Além de surgir feito petulante alienígena em um meio que rechaçava tais iniciativas (o mercado editorial), a obra testemunhou as entranhas de uma culminante efervescência subterrânea nos EUA, esta que mesclava importantes veteranos ainda plenamente ativos a suas crias, diretas ou indiretas, nos exatos instantes nos quais o Grunge (que unia ramificações advindas de Stooges/MC5, do levante Punk propriamente dito e do Black Sabbath) preparava sua meteórica ascensão na figura do Nirvana, catapultando assim o estilo para todos os níveis de mainstream. Barcinski mostrou não apenas as minúcias do cenário descrito acima, mas deixou claro que a aventura do Rock não resume-se apenas a ouvir discos: viajar pra lá e pra cá, ir tanto a shows underground quanto a megafestivais, conhecer, conversar, informar-se, se interessar, enfim, é o que ajuda a tornar tudo tão vital e apaixonante. Se a música é tida como “patrimônio cultural”, é também pelas experiências exteriores a si que ela proporciona – e “Barulho”, naquele momento, tornou nossa a trip de seu autor.
André, homem atarefado (além do jornalismo, é diretor de TV, radialista e produtor de shows, isso entre diversas outras atribuições que encarou carreira afora), trocou uma ideia com o Monophono pra falar a respeito do relançamento do livro, agora revisto e ampliado – mais texto, mais fotos, visual renovado -, assim como suas impressões a respeito da empreitada, 30 e tantos anos depois. Vamos ao papo!
Monophono: Quando originalmente publicado, Barulho ficou conhecido como “o livro sobre o grunge”. Isso o irritou naquela época? Ou esse “gancho” era necessário, importante para a divulgação de uma obra que era evidentemente algo muito além disso?
Barcinski: “De jeito nenhum, eu acho que era um livro que tinha o Nirvana na capa, tratava dessa cena, então não me irritou de jeito nenhum, estava feliz só das pessoas falarem sobre o livro…” (confira o áudio completo abaixo)
Monophono: O itinerário foi uma escolha pessoal sua? As bandas que participam do livro obedecem a critérios particulares de alguém se lançando em uma aventura (e bancando do próprio bolso), ou gravadoras /empresários de artistas também entraram na jogada?
Barcinski: “Sim, o itinerário foi uma escolha pessoal e baseado nas entrevistas que eu consegui fazer. Hoje as pessoas me perguntam, acham que eu tinha um grande plano, não, vou para a cidade tal, entrevistar a banda tal…” (confira o áudio completo abaixo)
Monophono: A entrevista com os Cramps mostra que a intenção de publicar tudo em livro era latente. Quando foi que pintou o estalo de que aquilo não era apenas um mero relato jornalístico, e sim material para algo ainda mais ambicioso? Já existia algum acerto prévio com editoras, ou você começou a correr atrás quando tudo estava pronto (ou parcialmente pronto)?
Barcinski: “Olha, a entrevista com o Cramps eu não concordo que mostra que a intenção de publicar era latente, porque eu só soube que eu ia fazer o livro depois…” (confira o áudio completo abaixo)
Monophono: Como foi chegar ao mercado editorial? O espaço para um livro sobre música estava lá, apenas esperando pra ser ocupado, ou foi preciso cavucar à unha para estabelecer esse nicho, hoje tão populoso?
Barcinski: “Olha, eu não me lembro cara, faz 30 anos, mas assim, a Paulicéia era uma editora nova, estava acabando de inaugurar, e eu me lembro que foi super simples, eu liguei pro dono da editora…” (confira o áudio completo abaixo)
Monophono: O Nirvana acabou tornando-se a óbvia vedete da obra – e o show que você conferiu deve realmente ter sido especial. Esperava-se que a transformação que você ali presenciava fosse tão radical, duradoura e abrangente, envolvendo não apenas a banda, mas toda a indústria musical em si (MTV, rádios, gravadoras, mídia)?
Barcinski: “Cara, quando eu fui pros EUA, o Nevermind ainda não havia nem saído, então não dava nem pra esperar nada do Nirvana, assim, eu esperava na verdade…” (confira o áudio completo abaixo)
Monophono: Trocar discos com Jello Biafra, ouvir em primeira mão sons do Mondo Bizarro ao lado de Joey Ramone… O fã e o profissional conviviam em harmonia? Você enxerga essa diferenciação como estritamente necessária para o ofício de jornalista cultural?
Barcinski: “Sobre as experiências com o Biafra, com o Joey, eu acho que são consequências de estar lá conversando com as pessoas, de ter tempo de fazer entrevistas também, isso é uma coisa importante, hoje em dia as entrevistas são quase todas feitas de forma virtual…” (confira o áudio completo abaixo)
Monophono: “Barulho” é também um livro fotográfico. A imagem é um elemento indissociável de sua carreira? Em sua opinião, o que melhor complementa a experiência musical, texto ou imagem?
Barcinski: “Olha, antes de eu escrever eu fotografava, foi esquisito assim… eu comecei como repórter de uma revista chamada ciência hoje, depois fui pro jornal Tribuna da Imprensa, mas eu sempre fotografei, tinha feito curso de fotografia…” (confira o áudio completo abaixo)
Monophono: Falando em imagem, o projeto gráfico de “Barulho” permanece um de seus grandes atrativos. Será mantido? Ou prevê-se alguma mudança nessa reedição?
Barcinski: “O projeto gráfico do Barulho de 92 é um, e do livro de 2023 é completamente outro…” (confira o áudio completo abaixo)
Monophono: Como é travar contato com o livro mais de 30 anos depois? Como o André Barcinski de hoje enxerga a obra, seu próprio estilo, experiências de vida, escolhas pessoais e rotina daqueles tempos? Tudo isso se mistura na criação de um texto?
Barcinski: “Eu não costumo ler as coisas que eu escrevi né, então eu não lia o Barulho fazia 30 anos, e claro que tem coisas que eu mudaria ali, que eu trocaria, até coisas de opinião mesmo…” (confira o áudio completo abaixo)
Monophono: No final do texto sobre o Nirvana, você diz: “daqui a 10 ou 20 anos, a gente vai poder falar daquela ‘loucura do final de 91’”. O que permanece, e o que mais esvaneceu, daquele momento até aqui, agora com a possibilidade de se olhar esses 32 em retrospecto?
Barcinski: “Sobre 91, eu acho que eu dei muita sorte de estar lá nessa época, porque pra mim foi talvez a última grande época do rock alternativo…” (confira o áudio completo abaixo)