Leatherface Perkele participou de The Dead Shall Rise to Kill, álbum do Sodomizer lançado em 2007 e que, pra mim, é o maior momento do metal carioca desde O Signo de Taurus e Dividir e Conquistar. Nem pense que estou exagerando! Um par de outros excelentes discos com a banda e alguns lançamentos com o também incrível Hellkommander levaram o cara ao Velho Mundo – primeiramente em turnês com ambas; depois, de mala e cuia, para viver na Alemanha. Estabilizado em Berlim, colocou o Satan Worship pra funcionar: uma junção de speed metal tradicional, generosos toques Motorheadianos e alusões thrash/black por todos os lados. Deixemos então o baixista/vocalista nos contar um pouco mais a respeito da banda e sobre Teufelssprache, álbum lançado no início desse ano.
Monophono: A banda já existia no Brasil? A sua mudança para Berlim previa levar os projetos daqui pra aí, ou iniciar bandas do zero quando em solo alemão?
Leatherface Perkele: A banda começou em 2011, época da primeira tour do Sodomizer na Europa, quando eu escrevi alguns riffs e a música “The Girls Of Manson Family” na casa do Azter, guitarrista do Denial Of God. A idéia era fazer algo baseado em minhas influências (Venom, Motorhead, Von, GG Allin And Murder Junkies, N.M.E., Danzig, Carnivore): um som cru e direto com poucas guitarras dobradas e algumas músicas sem solos mesmo, com temas nos quais eu já vinha trabalhando e que sabia que não seriam legais encaixados no Sodomizer. Sendo assim, assumi o vocal principal também, além da função de tocar o baixo. Quando me mudei para a Alemanha, em 2014, já tinha a demo “Poison and Blood” pronta, mas ainda não lançada, e havia começado a registrar o EP “I’m the Devil” no AM Estúdio do Rio de Janeiro. Terminamos a gravação, mixagem e masterização por aí mesmo quando voltei em 2016 por um breve período; e, ao retornar para a Europa em definitivo, assinei com o selo Iron Shield Records para enfim sair, em formato CD e LP, o I’m The Devil. Com a formação estabilizada – eu no baixo e vocal, Max Nekromancer na guitarra e Marc Reign (Morgoth, ex-Destruction) na bateria -, gravamos o álbum Teufelssprache, que foi lançado em janeiro de 2020 pela Folter Records.
Monophono: A mudança para a Europa aconteceu por conta de você investir em busca de uma vida voltada à carreira musical, ou foi algo que também envolveu outros fatores (pessoais, profissionais) e a música foi a reboque disso?
Leatherface Perkele: Todas essas foram razões para eu ter me mudado (risos)! Eu sempre quis sair do Brasil. A turnê que fizemos com o Sodomizer em 2011, na qual passei por alguns países europeus, e a segunda tour (esta junto com a minha outra banda, o Hellkommander) em 2013, que nos levou para um número ainda maior de lugares, foram primordiais para eu tomar minha decisão de sair de vez daí, e escolher a Alemanha como minha nova terra e nação.
Monophono: Assumir os vocais de vez, como foi? Existiu algum receio, já que nas outras bandas você se dedicava exclusivamente ao contrabaixo?
Leatherface Perkele: Em 2011, antes da primeira tour do Sodomizer na Europa, eu já tinha todas as datas para os shows e festivais em mãos, porém o (guitarrista/vocalista) Warlock estava impossibilitado de viajar por motivos pessoais. Então, ele próprio me incentivou a treinar e assumir os vocais ao vivo, sendo que eu já fazia todos os backing vocals – e mesmo nos ensaios era solicitado para as vozes principais em algumas músicas como “Cenobites”, quando ele estava já cansado. Foi algo gradativo, que me exigiu bastante dedicação por alguns meses e que me desafiou, antes e depois da tour. Aprendi muitas coisas nessa caminhada, como respirar corretamente, aquecer a garganta, evitar beber antes das apresentações e nas tours e memorizar as letras. Quanto mais participava de shows, ensaios e gravações, mais confortável ficava para fazer as duas funções ao mesmo tempo – mas claro, no começo foi difícil, um desafio mesmo, porém eu gosto de desafios!
Monophono: Por que o speed metal? O que esse estilo possui que te faz dedicar-se tanto a ele?
Leatherface Perkele: Eu ouço muita coisa, e tenho material bem diferente composto e guardado comigo – na hora certa vou gravar e lançar! O próprio Sodomizer tem influências além do speed metal: desde a primeira demo tape temos coisas lentas, mais death metal, faixas acústicas (influenciadas por nomes como Fábio Frizzi e Goblin), mas o thrash e o speed são a força maior de nossas composições, você está certo. É muito fácil compor nessa linha porque é algo que eu amo fazer, é a minha verdade! Vejo tantas tendências indo e vindo… Na verdade eu não toco para ser famoso, por dinheiro. Não julgo quem busca isso, mas meu objetivo é gravar álbuns, tocar (sempre que possível, e em boas condições) e sair em tour para espalhar nossos lançamentos por aí. Crescer ouvindo Demon, Black Sabbath, Morbid Angel, Venom, Mercyful Fate, Misfits e tantas outras fez com que o amor por esse estilo fosse algo tão natural como respirar.
Monophono: É notória a presença de Motorhead nesse álbum… É inevitável pra quem toca som pesado? Ou foi algo que vocês premeditaram, usar o Motorhead como ponto de partida para compor?
Leatherface Perkele: Eu realmente amo Motorhead, e as bandas que os influenciaram também, como, entre outras, o ZZ Top. Cresci ouvindo esses caras! Não tem como a vibe desses grupos não estarem presentes nas nossas músicas.
Monophono: As letras do Sodomizer eram quase que em sua totalidade baseadas em histórias de terror, inclusive com homenagens aos cineastas Lucio Fulci e Rodrigo Aragão… No Satan Worship você optou pela continuidade disso, ou a temática é mais variada?
Leatherface Perkele: No começo do Sodomizer, não tínhamos idéia do que estávamos fazendo. Eram temas obscuros e malignos influenciados por filmes de terror e pornografia, com algumas letras sobre magia negra também; mas o horror e a temática pornô se tornaram o carro chefe desde que o segundo álbum, “The Dead Shall Rise To Kill“, foi lançado. O Sodomizer virou um monstro com vida própria, e eu não queria mudar nada ali ou tentar impor minha vontade com outras idéias, ou mesmo alterar musicalmente a fórmula que tanto amo. Sendo assim, o Satan Worship nasceu com essa necessidade de eu escrever sobre assassinos em série, satanismo, necromancia, inferno, ultra-violência, discurso de ódio contra esse culto à fraqueza que existe hoje em dia nesse mundo bunda-mole, e sobre tudo o que é doente e subversivo.
Monophono: O refrão de “The Last Days of John Paul Knowles” lembra bastante o de “To Hell and Back” do Venom… Trata-se de uma citação, ou apenas coincidência?
Leatherface Perkele: É uma homenagem a essa música do Venom sim! Quando toquei a base do refrão, com letra baseada na vida do assassino John Paul Knowles, vi que tudo se encaixava de forma muito orgânica. Gostei, e assim ela nasceu.
Monophono: O cover de “Antichrist” do Sepultura casa-se obviamente com a proposta de vocês – mas como é fazer uma versão de uma banda que mudou tanto ao longo dos anos?
Leatherface Perkele: Eu já fui muito crítico ao que fizeram quando foram se aventurar seguindo algumas tendências – criando essas tendências, para falar a verdade. Hoje em dia não ligo para o que as bandas fazem, ou quando gravam algo que não acho bom, senão não ouviria mais nada. Os álbuns antigos estão aí para sempre que eu quiser ouvi-los. Por mais que o Sepultura (atual) seja criticado, o que fizeram foi desbravador e ousado; colocaram o nome do Brasil no mapa do metal mundial juntamente a outras grandes formações, e por isso eles têm meu respeito eterno. Gosto muito dos primeiros álbuns, que em minha opinião são os mais malditos.
Monophono: Normalmente as referências de seus projetos estão fincadas nos anos 80, porém nessa década vimos o speed metal encontrar alguma notoriedade para fora dos porões underground e chegar a gravadoras como Relapse e Metal Blade. Algo feito agora te influencia diretamente?
Leatherface Perkele: Existem ótimas bandas e também muita porcaria por ai, tem gente das antigas que voltou e lançou coisas legais, outras gravaram coisas muito ruins… Claro, se trata de uma questão pessoal, de gosto mesmo. Acho que banda nova me influenciar não rolou não. Mas curto algumas delas, como o Evil Army, assim como acho o último álbum do Power Trip devastador. É sempre bom ver grupos alcançarem notoriedade e fazerem parceria com selos médios ou grandes, porém mantendo-se fiéis ao que querem, sem se dobrar a exigências de gravadoras.
Monophono: A experiência musical como um todo, agora morando na Europa – o que você vê de diferente em relação ao Brasil? Como é gravar, lançar um álbum, distribuí-lo e fazer shows em outro país, na perspectiva de um brasileiro?
Leatherface Perkele: Sobre gravar um álbum, eu sou da opinião que temos ótimos estúdios no Brasil, e engenheiros de som idem. Nisso, acredito que não somos desiguais. Acho que trabalhar com um bom engenheiro de som, que entenda o que você quer fazer no seu álbum e que saiba deixar de fora o que você não quer, é o que realmente faz a diferença. O Sodomizer e o Hellkommander já haviam sido lançados aqui, em gravadoras da Alemanha, Dinamarca e até mesmo no Japão – e nesse sentido sim o Brasil fica muito atrás, pela mentalidade dos selos mesmo, que só visam lucro, não investem, e muitas vezes fazem um trabalho porco e desleixado, sem nenhuma promoção com os nomes do seu cast. Em relação aos shows e festivais é outro mundo, no que diz respeito à organização, backline, tratamento para com as bandas, etc. Comparando o público, tanto o brasileiro quanto o latino, eu não vejo nada tão distante, na questão de como as pessoas reagem ao seu show, compram merchandise e depois aparecem para conversar com você; nesse ponto, pessoas são pessoas. Claro que existem diferenças culturais, mas nada tão abissal: o metal é como uma grande família ou comunidade.
Monophono: Lançar o álbum em vinil é uma obrigatoriedade hoje em dia?
Leatherface Perkele: É um formato que amo, e tento sempre que posso fazer parceria com algum selo para lançar em vinil. Não é barato, mas nosso plano é prensar todos os nossos álbuns em LP, juntamente às gravadoras (como já aconteceu e ainda acontece), e, quem sabe, de forma independente muito em breve.
Monophono: O recrudescimento do fanatismo religioso é um fato mundo afora… Vocês, que se posicionam frontalmente contra isso, como enxergam esse retorno às trevas medievais?
Leatherface Perkele: Na Alemanha ninguém liga para religião (muito poucos, uma minoria na verdade), e os que se importam com isso não são fanáticos. Crescer no Brasil, um país majoritariamente católico, e ainda ter de assistir esse recente crescimento evangélico, foi difícil. As pessoas estão ficando cada vez mais burras e idiotas, e eu não sinto saudade de nada disso. Não ligo para a fé e crenças das pessoas, pois espiritualidade e religião são caminhos bem diferentes. O problema no Brasil, e também o de outros países ultra-religiosos, é o respeito. Religião e respeito não andam juntos, e nunca andarão. Sempre vou atacar e lutar contra dogmas e religiões, quaisquer que sejam. Citando um grande poeta: “devemos colocar luz na era da razão”.
Monophono: Como estão os seus outros projetos no momento, em especial o Sodomizer?
Leatherface Perkele: O Hellkommander está hibernando. Faço contato com o baterista sempre que posso; temos músicas compostas e capa de um futuro lançamento pronta – no momento certo devemos entrar no estúdio para gravar. Ao vivo com o Satan Worship ainda toco a “Gift Of Death”, por saudosismo da minha parte e também porque é um dos sons da gente que acho mais legais. O Sodomizer segue vivo, e sedento por mais sangue e tripas! Temos muitas músicas prontas, o álbum vai nascer assim que traçarmos um plano. Estou no momento gravando a pré-produção dos sons novos do Satan Worship para o álbum que irá suceder o Teufelssprache – na seqüência faremos a pré-produção e gravaremos demos também para o Sodomizer.
Monophono: Pra terminar, como você se sente em ter antecipado o uso de máscaras pela população mundial (risos)?
Leatherface Perkele: A Alemanha teve uma ação rápida e eficaz contra o vírus. O distanciamento social e a quarentena foram efetivos, e agora o comércio abre gradualmente aqui. Eventos e shows foram afetados, com cancelamentos e adiamentos para o final deste ano ou para o próximo… Tudo foi atingido por essas medidas duras, mas necessárias. O governo liberou ajuda para pequenos e grandes negócios, e para artistas e músicos também. Por essas ações, com a chanceler Merkel à frente, tudo agora está sob controle. Infelizmente na Itália as coisas foram trágicas e tristes, como pudemos assistir, pela negligência das autoridades e descrença da população – o mesmo acontece no Brasil, com o presidente desobedecendo ordens da Associação Mundial de Medicina (e incentivando a população a fazer o mesmo), e nenhuma ação sanitária concreta para evitar a contaminação. Junto a isso, vemos governadores em disputa política, com as eleições de 2022 em vista, justo neste momento em que todos deveriam estar unidos contra um inimigo comum, que é o Covid-19. Essa luta só acaba quando colocarmos de lado ideologias e posicionamentos, para enfim tudo voltar ao normal.